Monday, June 18, 2007

Prazeres do Rubica


Falar deste tema exige muita memória e assim mesmo existe grande possibilidade de cometer omissões injustificáveis, entretanto, como me propus recordar diversos aspectos da vida dos pais, para circulação em ambiente familiar, começo colocar a funcionar esta cuca um tanto deteriorada.

Aos 8 anos, levado pela mão do avô Ângelo, ainda no Derby Club, o hipódromo anterior ao da Gávea e que se situava onde hoje é o estádio do Maracanã, se iniciava a paixão do pai pelas corridas de cavalos. Foram muitos anos voltados para o turfe, seja assistindo corridas ao vivo, ouvindo rádio, lendo jornais ou vendo pela TV em época mais recente.

Aventuro-me a dizer que pouca gente no Brasil atingiu a marca expressiva de 85 anos ininterruptos de interesse pelo turfe. E meu pai apreciava tudo que se relacionava com cavalos de corrida. Conhecia a fundo o desempenho dos animais, jóqueis, tratadores, pistas preferidas, tempos obtidos, distâncias mais adequadas etc... Com essa gama de informações na cabeça, à primeira vista se tem a impressão de que suas apostas sempre davam lucros. Não foi bem assim! Creio mesmo ter mais perdido do que comparecido ao guichê para receber algum ganho com pules vencedoras. Todavia, em sua defesa, devemos nos lembrar que além das peripécias de corrida, às vezes jóqueis puxadores, treinadores desonestos e proprietários manipuladores influenciavam os resultados dos páreos. Para mim, só dois eram extremamente honestos, meu pai numa ponta e o cavalo na outra. O problema eram os outros envolvidos no esquema e aí a coisa pega.

Com todos esses óbices, ele adorava o turfe e quem quisesse vê-lo feliz da vida bastava entrar nesse papo. Eu, por saber mais detalhes do turfe que meus irmãos, aproveitava essa dica para deixá-lo bem contente nos inúmeros contatos que tivemos.

Outro prazer que meu pai desenvolveu no correr da vida foi fazer palavras cruzadas. Semanalmente se dirigia à banca da praça Carlos Gomes a fim de adquirir o exemplar mais recente do Coquetel e optava pela revista que mais o exigisse, com soluções difíceis. Sabia que teria enorme desafio pela frente, todavia não se intimidava e ia a fundo em suas pesquisas. Utilizando inclusive uma enciclopédia pela qual tinha grande carinho, liquidava do começo ao fim, palavras cruzadas, rébus etc.... Não sossegava enquanto não completasse tudo e em seguida partia logo para um novo número.

A meu ver, o preenchimento das palavras cruzadas e o estudo diário das corridas de cavalos mantiveram seu cérebro em constante atividade e por isso mesmo tivemos o privilégio de vê-lo esbanjando lucidez até sua morte.

Ainda com relação às palavras cruzadas, guardamos uma imagem que se perpetuará em nossa memória. Todas as vezes que íamos ao apartamento o encontrávamos deitado no sofá da sala fazendo aquilo que lhe dava prazer. À sua frente havia uma mesinha com dicionários, atlas geográfico, lápis, canetas, muitas das quais imprestáveis, tudo em perfeita desorganização, porém de fácil acesso. Nunca buscou o ISO 2000 para a arrumação, contudo se mostrava invariavelmente bem disposto e alegre com a presença de familiares e amigos.

Completando este relato, lembrei-me que meu pai, a partir da ascenção do voleibol brasileiro nos torneios internacionais, quando foi campeão olímpico, passou a ser um fã incondicional das partidas de vôlei envolvendo a seleção brasileira. Vibrava como gente jovem! Creio ter ressurgido nele lembranças da época que praticou , com destaque, esse esporte. Apesar da baixa estatura, por volta 1.65m, segundo soube foi um exímio levantador da equipe do Exército e fazia dupla com Sílvio de Magalhães Padilha, um grande atleta do passado, ex-presidente do COB e um tremendo cortador quando jovem.

Logicamente com a altura que tinha, mesmo sendo um excepcional atleta, hoje em dia não teria qualquer chance de praticar o voleibol com destaque em uma equipe de ponta. No presente, cabe também ao levantador participar do bloqueio e baixinho hoje em dia não tem vez. Esse esporte, dos mais atraentes, evoluiu muito nas últimas décadas.

Certamente nosso pai teve mais prazeres em sua vida, contudo no momento fico com os três citados.

Por Sylvio Barra

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